sexta-feira, 30 de julho de 2010

Do telefonema

Alô? - Ouça. Apenas ouça.
Dos momentos sem-nome que vivemos nós, tem sido este o único que anseio por nomear para que, tão logo, passe. Creio termo-nos perdido em nós que não sabemos desatar. Passa-me em pensamentos que se faria melhor jamais termos existido nós - sabe, você e eu. Perdôo-te por ter feito ventania na vida a que chamo de minha. Perdôo-te por estas memórias gravadas em minha pele. Perdôo-te por ter construído comigo essa história não contada; tão sem-nome que, no agora, já nem sei se existimos nós, de fato.
Todavia, não lhe concedo perdão por ter mostrado a mim tuas falhas. Não lhe perdôo por ter-se revelado incompleto. Eu acreditara que sabias, você mostrou-me seus não-saberes. Acreditara-te forte e me revelaste tua fraqueza. Enxergara em ti a confiança, e mostrara-se inseguro. 
Não lhe perdôo por ter-se revelado tão...tão...humano. Descobri em ti os mais banais traços de um alguém comum. E, a menos que os saiba cobrir novamente, cobrirei eu de palavras essa trama. Desatarei com sentidos todos estes nós, até que desate a nós e ao que sentimos. E, de todos estes seus pecados, há um que se faz tão mais imperdoável. Não lhe perdôo por não mais desejar-te.



Que não me corte as asas nem me calce os pés
Nem me vista a alma.
Que não me abra os olhos nem me anule os desejos.

4 comentários:

  1. "Naquela manhã eu chorei.
    Chorei porque amava as ruas que me afastavam dele e me levariam de volta a ele.
    Chorei porque o processo pelo qual me tornara mulher, fora doloroso.
    Chorei porque a partir de então, iria chorar menos.
    Chorei porque perdi minha dor e não estava acostumada à sua ausência."
    Anaïs Nin.

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  2. Versão em prosa do tema visitado no poema abaixo?!
    Em ambas as versões,
    você se revela primorosa, Mary!

    Um beijo de quem te admira
    como se te lesse há tempo...

    Talita
    História da minha alma

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  3. "Perdôo-te por ter feito ventania na vida a que chamo de minha."
    (...)
    "E, de todos estes seus pecados, há um que se faz tão mais imperdoável. Não lhe perdôo por não mais desejar-te."

    Sei não, Mary... Sabe aquelas coisas que você lê e tem a sensação de que foi lida por alguém?

    Senti-me nesse telefonema. Queria tê-lo discado. E o diria, quase inteiro. Atormenta-me ainda o medo desse desfecho e de não saber, um dia, sequer pronunciar essas palavras.

    É uma prosa-retrato. Digna de leitura dramática.
    Lindo, inteiro, em carne quase-viva. Porque alguém a foi deixando morrer.

    Ainda bem que vim ler!

    Maravilhoso!!!

    Beijos, querida!
    Ótima semana!

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  4. "Não lhe perdôo por não mais desejar-te."

    Mary, isso é muito.

    Beijoca, flor!

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